Andorinhas sobrevoam ipês amarelos,
riscam o azul de uma tarde eterna
em vôos rasantes, lupes…
outras em minha direção velozes
desviam-se alegres ou tristes?!
– As andorinhas já não moram no poema!
Ao ritmo do vento agitado
imensas ondas verdes e amarelas
lilases e roxas,
ipês dançantes
em coral
pertinentes
acalentam murmúrios
desfiam silêncios e linguagens híbridas
desafiam o concreto,
braços afoitos contra a estagnação,
antigos e harmônicos
no horizonte do quarto andar
da rua João Ramalho sem enfeites de natal.
– As andorinhas já não moram nos olhos de uma criança!
Um barco de concreto navega pelos instantes
alados que levam uma povoação de pensamentos
e o mundo embrulhado num papel de pão amassado.
– Andorinhas já não moram nas lembranças!
Essa tardezinha perfumada, num bico de beija-flor
sob o trinar de pardais vai entrando pelos meus olhos algodoeiros,
vai ligeira buscar pelas lembranças os sóis castanhos de um olhar eterno
que mora na pragmática de uma linha recém-descoberta
de um signo preso no destino.
– As andorinhas já não moram nas capelas!
Multidões partilham essa viagem
e séculos habitam a exclamação dos meus olhos
que desvelam orações enfeitadas pelo vago, pelo díspare, pelo pouco,
pelo lento, pelo quase-e-tão-imóvel-sibilar-do-nada.
– As andorinhas já não moram nas igrejas!
Tantos milênios esperamos essa tarde
para assistirmos o único momento de uma borboleta
transformando-se em signo marcando o incognoscível.
Eis-nos aqui, tinta derramada no avental branco,
presente do f.uturo sem presente do passado,
idéia, pensamento, ação
em sintonia, em harmonia e equilíbrio
no silêncio e mistério da semente
– As andorinhas já não moram nos conventos!
Vivências desafiam teorias, conteúdos sobrecarregam a infância,
crianças taciturnas pelas ruas a mercê dos veículos ensandecidos
e seus pensamentos habitam arraias coloridas
e amarelinhas sem lugares para os céus
de onde voltarão com suas mochilas
sobrecarregadas de lições de casa.
– As andorinhas já não moram nas biqueiras!
Ouve-se Ave Maria de Gounod
pelos corredores acadêmicos,
Bach ressurge das almeidas dos navios esquivos
e os mestres cantores de Nüreberg
Integram o coral de pássaros
adentram memórias e abraçam o vento,
“Ave Maria, cheia de Graça… Deus é contigo!”.
– As andorinhas já não moram nas cavernas!
O vento e a palavra, o silêncio e a música
sobre as flores de um buquê carregado pelo entregador apressado
procurando o endereço esquecido
e o papel perdido na rotina da multidão.
– As andorinhas já não moram no instante!
O tempo e o espaço mergulham
em uma prisca do respingo
de uma gota levada pela abelha solitária.
– As andorinhas já não moram na poesia!
Dia e noite
abraçam ruas
e memórias contextuais.
Linguagens caleidoscópicas
em vias-sacras,
silêncio, palavra e mistério
à outra margem da palavra.
– Andorinhas já não moram em meus olhos.
J. Camelo Ponte
O Caminhante descobre uma resposta particular e nutre-se desse impulso como estímulo que o habilita para olhar e ver, ouvir, pensar e refletir, falar e enunciar sobre o que permanece de uma situação antiga ou de um antigo sentimento, modus vivendi contínuo no espaço e no tempo de ser rio e beber o sol de todas as manhãs.
In “Sobre Caminhos…” BN, 2012 –